segunda-feira, 17 de novembro de 2014
Os Sertões
Entre o ensaio científico e a literatura, a obra do engenheiro-escritor surpreende pela descrição da guerra de Canudos e o uso da palavra.
O romance Os Sertões (1902), de Euclides da Cunha, surgiu de uma reportagem encomendada pelo jornal O Estado de São Paulo.
Encarregado de cobrir a Guerra de Canudos (1896-1897), Euclides encontrou nos confrontos entre o Exército brasileiro e um grupo de fanáticos religiosos liderados por Antônio Conselheiro matéria para descrever a geografia e a população do sertão baiano. Vistos como uma ameaça à jovem República brasileira, os seguidores de Conselheiro foram dizimados. “Aquela campanha lembra um refluxo para o passado. E foi, na significação integral da palavra, um crime. Denunciêmo-lo”, afirma o escritor na nota preliminar do livro.
Dividido em três partes – A Terra, O Homem e A Luta - , o livro concentra diversas influências de seu tempo. Teóricos europeus, declaradamente ou não, alicerçam o autor na definição do sertanejo, depreciado pelo embasamento em correntes deterministas – hoje ultrapassadas. A obra, publicada no limiar do século 20, em 1902, de certa forma teria estreita ligação com o naturalismo que a precede, mas apontava para o modernismo que adviria duas décadas depois: o estudo do homem brasileiro seria um dos seus objetivos. Nascido na cidade de Cantagalo (RJ) em 1866, Euclides estudou engenharia na Escola Politécnica do Rio de Janeiro, o que lhe forneceu os instrumentos para a análise e o exame feitos no livro.
Seria impreciso enquadrar a obra em um único gênero. Não se trata apenas de uma relato científico ou jornalístico. O entrecruzamento dessas formas com o emprego do lirismo, de complexas figuras de linguagem e do tom de “ataque franco”, segundo o próprio Euclides, resultou na “bíblia da nacionalidade” – para tomar emprestada a definição do célebre abolicionista Joaquim Nabuco sobre o romance.
Para a literatura brasileira, a grandeza de Os Sertões está obviamente no trabalho de linguagem operado pelo autor, que sob o primeiro plano da objetividade científica, se deixa tomar pela indignação e pelo espanto ante o que testemunha. Euclides via a República de maneira desiludida, identificava as “sub-raças” e prenunciava a sua extinção. Mas a natureza o surpreende quando o período é o das chuvas: “E das caatingas [...]. [...]segue o campeiro pelos arrastadores, tangendo a boiada farta, e entoando a cantiga predileta…Assim se vão os dias. Passam-se um, dois, seis meses venturosos, derivados da exuberância da terra [...]“. Esse deslumbramento alterna-se com o retrato da seca, o “martírio secular da terra”. A proliferação de antíteses se dá também em outros níveis da obra, uma das razões que levam os críticos a ver um “barroco científico” moldando a narrativa.
É de um Euclides observador preciso e rigoroso e plenamente hábil na construção de imagens que José Lins do Rego e Graciliano poderão herdar, cada um a sua maneira, as bases de um regionalismo maduro.
Até sua morte no Rio de Janeiro, em 1909 – morto em duelo com o amante da mulher – , Euclides ainda publicou o livro Contrastes e Confrontos (1907) e à Margem da História (1909) que foi lançado postumamente.
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